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Resenha: Manifesto do nada na terra do nunca

livrolobaoLobão já havia lançado um livro, a autobiografia 50 anos a mil, mas nunca tive o desejo de lê-lo. Na verdade nunca fui fã do Lobão nem de nenhum outro artista, salvo curtas épocas em minha adolescência e início da fase adulta. O que sabia dele é que é (ou era) um roqueiro locão que fala o que quer sem medo. Vejam só o tamanho da ignorância que uma pessoa pode ter com base em preconceitos e estereótipos. Julgar esse ou aquele pelo estilo musical ou pelos trejeitos da eloquência televisiva é no mínimo um absurdo. Lobão é sim um loucão, porra-loca, mas é apenas o estilo dele. O fato de ele ser assim não implica que não mereça atenção ou crédito por qualquer coisa que tenha feito. Acima de tudo, ele é um brasileiro feito qualquer um. Faço essas observações antes de entrar propriamente na resenha porque este livro lançado caiu no desgosto da turma do politicamente correto e foi tachado de reacionário.

O ponto chave desse início é que ele acordou. Acordou da ilusão socialista, comunistas, esquerdista, petista ou vermelhista. Deixa isso claro feito água pura nas linhas do livro e diz que há mais expurgo espiritual na autobiografia. Ele acordou porque simplesmente o que aparecia diante dos olhos dele era incompatível com as (falsas) promessas ditas por aquela turma. O que Lobão fez foi simplesmente usar as faculdades mentais e os cinco sentidos, coisa rara nos tempos atuais. Somou dois mais dois e viu que o resultado era quatro. Nada mais. Feito isso passou a procurar respostas tolas, porém importantes, tais como “por que o brasileiro é do jeito que é?” ou “por que somos tão felizes apesar das infelicidades noticiadas todos os dias nos jornais?”. E foi à luta. E por sair da zona de conforto, ou da preguiça, ou da mediocridade, ou da idiotice, foi carimbado com a alcunha de reacionário. E, claro, o passado dele é usado da forma mais vil para descredibilizar a obra. “Quem esse roqueiro pensa que é para falar mal da MPB?” E é nesse mote que se inicia a leitura.

O livro é uma crítica ao atual cenário geral do Brasil, mas com especial atenção à cultura e à música. Aquarela do Brasil 2.0 é o primeiro capítulo e nele Lobão dá as boas vias ao leitor com um humor fino e sutil. Reproduzo abaixo o trecho que me vez gargalhar:

(…) A celebrar em êxtase a vitória dos simplórios,

A vitória da classe média endividada, perambulando feito zumbi no shopping center, noite  e dia.

Perseguindo, no vazio a virgindade existencial, uma diversão que jamais sacia.

Acolhendo, em Seu seio,

Playboys agrobregas a desfilar pelos rodeios, arraiais e micaretas, caçando línguas das periguetes de abadá (…).

O livro não ganhou espaço na mídia porque ele constata a decadência do povo brasileiro. Como o sistema midiático brasileiro está de conluio com o sistema político que faz questão de emburrecer o povo, é claro que não dariam espaço para uma obra desse quilate. Lobão desce a letra no governo cheio de regalias e assistencialismo, nos petralhas quando critica a formação da dita comissão da verdade e no cenário da música brasileira. A MPB, nunca imaginei, é um estilo criado pela esquerda brasileira para abarcar as letras politicamente corretas, engajadas politicamente para servir a um ideal. A MPB, musical popular brasileira, de popular não tinha nada. Popular mesmo, ouvido e admirado pelo povão lá nos idos de 1960/1970 era o que hoje chamamos de brega. A MPB foi criada para conscientizar o povo do que era importante para a esquerda. O povão, pobre coitado, muitas vezes nem sabia o porquê daquela letra. Os festivais de música serviram a esse propósito: tornar a MPB, que não era popular, em popular. E nesse projeto muitos cantores foram cooptados, tais como Roberto Carlos que era roqueiro original antes de se tornar uma múmia da MPB.

E o autor explica minuciosamente porque esse estilo, MPB, foi criado. Partindo como base da Semana de Arte Moderna de 1922, Lobão explica que uma elite de artistas, os modernistas, tentaram (e com sucesso!) dar uma identidade nacionalíssima à arte brasileira, sobretudo usando a música para tal. Mas esse sucesso não é positivo. Foi uma desgraça espalhada, por assim dizer. E o cúmulo dessa manifestação é o Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade que é severamente criticado por Lobão em forma de diálogo com o modernista no último capítulo.

Logo, a MPB é fruto dessa manifestação modernista brasileira de querer se apartar do mundo inteiro, criando uma identidade pura, tão pura que faria Hitler sentir inveja de tamanha originalidade. A cultura indígena é bonita, e com a branca portuguesa e africana o Brasil foi formado, mas não se pode, com base no orgulho e preconceito, criar uma nação separada do mundo, retroagindo a tempos antes da roda simplesmente para se dizer que somos puramente brasileiros originais, sem nenhuma influência europeia, cristã ou romana. O que é bom deve ser copiado, difundido e melhor, deve servir de inspiração para outras coisas boas. Foi assim que grandes nações se tornaram o que são. Ao invés de mergulhamos no orgulho do fracasso, na exaltação da ignorância, deveríamos aprender com os demais povos e não só com o indígena.

Essa antropofagia é palpável no dia-a-dia. Tente conversar algo sério com alguém. Na maioria das vezes, se você apresentar argumentos convincentes, o seu oponente na conversa usará de dos artifícios: ou ele começará a gritar com gestos a fim de suprimir sua voz ou passará a descredibilizá-lo, geralmente com palavrões. Esse orgulho do nada (quem sabe da ignorância) alimenta a ideia de que o ignorante é superior pelo achismo ou pelo coronelismo. Vendo que alguém domina mais sobre determinado tempo, o brasileiro antropófago devora o outro pela humilhação, pela gritaria, pela baixaria, conduzindo a nação a mais um novo degrau de rebaixamento. Dessa maneira nunca seremos um grande país, porque não deixamos que o outro seja melhor, mesmo quando ele fez por onde. Não basta ter inveja da grama do vizinho que é mais verde, tem que jogar sal para nada mais lá nascer.

Outro exemplo toma conta do segundo capítulo. Lobão entra no mundo do sertanejo universitário e se pergunta: se a musica brasileira quer ser original, o que há de tão original nesse hit, sendo que ele é totalmente americano? É uma contradição de saltar os olhos. E dito isso, fica a pergunta: por que o sertanejo universitário bombou? Simples, meu caro Watson, ele recebeu a benção do politicamente correto, podendo ganhar as massas com músicas imbecis. Não são músicas engajadas politicamente, mas são eficientes para deixar as massas débeis e dóceis.

Mas o Brasil tem algo de original no cenário musical? Sim, o funk carioca. O quê?!?!? Não confunda originalidade geográfica com qualidade da letra. São coisas diferentes. E realmente faz sentido. O funk carioca é nosso, apesar das letras de cunho sexual apelativo e de mau gosto. Mas paciência, fazer o quê, se por aqui há muito sol?

O livro é muito bom. Deixem os preconceitos de lado e comprem. Leiam em um tapa. Abram suas mentes no quesito musica brasileira. Deixem a resposta para “por que a música brasileira passa por um momento tão tenebroso” chegar. Lobão tem cacife para isso. É musico profissional e toca bateria desde os seis anos de idade. Não deixem que os críticos de literatura, que sequer leem os livros, pensarem por vocês. Não é um livro de achologia, não é um diário, não é um desabafo, mas sim algo estudado, nota-se isso pela bibliografia extensa e de ótima referência.

Quanto à autobiografia do roqueiro, depois da leitura deste, ela entrou para o rol dos próximos livros a serem comprados.

Obs. 1: No capítulo Viagem ao coração do Brasil, Lobão passa por uma aventura na Amazônica. Faz uma reportagem em forma de reality show e passa por situações insólitas e engraçadas. Antes de embarcar para o Garimpo do Juma, passa por Manaus, conhecendo o Teatro Amazonas e o restaurante e bar Galo Carijó. É um capítulo à parte do manifesto, é mais um relato que deixa o autor extasiado com a imensidão  e as diferenças regionais de nosso país.

Obs. 2: apesar do nome, o livro não foi escrito ou lançado após as manifestações populares de junho. Foi muita coincidência o autor retratar um “manifesto do nada” na “terra do nunca” antes das ditas manifestações nas quais o povo da “terra do nunca” foi às ruas manifestar contra tudo, sem saber de nada. O autor já pensa em fazer um adendo ao livro para futuras edições ou escrever um novo livro sobre tais acontecimentos.


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